sexta-feira, 22 de novembro de 2013

John F. Kennedy deixa herança de ideais em meio a conquistas limitadas

John F. Kennedy, morto há exatamente 50 anos, deixou um legado político cheio de esperanças e ideias que continuam vivos, ressaltados pelo poder de seu carisma arrebatador. Entretanto, historiadores destacam que trás desta aura mística, de político cuja promessa nunca foi alcançada e tampouco ofuscada, o balanço de sua administração é modesto.
Esta sexta-feira (22) marca o 50º aniversário de um assassinato que estarreceu o mundo. O choque foi tão intenso que muitas pessoas ainda se lembram do que faziam no momento em que souberam que JFK havia sido baleado e morto aos 46 anos, naquele 22 de novembro de 1963, em Dallas, no estado do Texas.
Meio século depois, renova-se o escrutínio da imagem deixada pelo jovem presidente cheio de vida, ícone político e cultural de uma época em que o país recém saía da angústia do pós-Guerra.
Na eleição de 1960, JFK se apresentou como o homem da mudança. Para a geração de “baby-boomers” que ele inspirou, sua presidência encarna um período de grandes esperanças destruído subitamente em pleno voo. A morte prematura contribuiu para manter Kennedy como o símbolo da juventude perpétua.
John F. Kennedy é visto a bordo do barco Patrol Torpedo PT-109 durante a Segunda Guerra Mundial em fotografia feita em 4 de março de 1942. (Foto: John F. Kennedy Presidential Library/Reuters)John F. Kennedy é visto a bordo do barco Patrol Torpedo PT-109 durante a Segunda Guerra Mundial em fotografia feita em 4 de março de 1942. (Foto: John F. Kennedy Presidential Library/Reuters)
Para muitos, ele continua sendo o herói corajoso da Segunda Guerra Mundial, atlético e de sorriso sedutor, pai de família (e ao mesmo tempo mulherengo), casado com uma das maiores referências de elegância do mundo. Ou ainda, como aquele que liderou sua nação no momento em que Cuba levou a tensão da Guerra Fria até os EUA e deixou como legado 50 anos de relações congeladas entre Washington e Havana.
Mas embora Kennedy seja associado à invasão da Baía dos Porcos em 1961 e à Crise dos Mísseis, em 1962, foram seu predecessor Dwight Eisenhower e o então diretor da Agência Central de Inteligência americana (CIA), Allen Dulles, que formularam planos para uma intervenção militar por parte de cubanos exilados.
Quase todos os presidentes americanos que lhe sucederam invocaram seu legado em alguma oportunidade, destacando sua retórica e sedução. As teorias conspiratórias provocadas por seu assassinato, as revelações sobre suas célebres aventuras amorosas, ou sobre sua frágil saúde – ao mesmo tempo em que exalava energia – ajudaram e muito a forjar a aura mítica que se perpetuou.
Oratória
Kennedy tem um pedestal próprio entre todos os presidentes americanos por sua oratória, citada frequentemente. Passagens dos discursos de JFK permanecem gravadas na memória de um país que ainda se emociona pela grandiosidade de suas palavras.
O dom do líder democrata para pronunciar discursos finamente elaborados ficou evidente desde sua posse, no dia 20 de janeiro de 1961, semanas após sua histórica eleição.
John F. Kennedy durante cerimônia de posse no Capitólio, em Washington, em foto feita no dia de 20 de janeiro de 1961.  (Foto: Cecil Stoughton/The White House/John F. Kennedy Presidential Library)John F. Kennedy durante cerimônia de posse no Capitólio, em Washington, em foto feita no dia de 20 de janeiro de 1961. (Foto: Cecil Stoughton/The White House/John F. Kennedy Presidential Library)
Segundo Leonard Steinhorn, que dirige uma cátedra sobre o legado político de Kennedy na American University, JFK, o 35º presidente, foi o primeiro que compreendeu e depois explorou com maestria o poder da televisão. “Kennedy ainda serve de modelo, no que diz respeito ao carisma, imponência, ou capacidade de liderança que se espera dos nossos presidentes”, ressaltou.
Kennedy realizou um inspirado chamado aos seus compatriotas, um chamado à ação que continua sendo invocado até o dia de hoje. “Agora, a trombeta nos conclama novamente”, recitou o então presidente, convocando seus concidadãos a se unirem “à luta contra os inimigos comuns do homem, a tirania, a pobreza, a doença e a própria guerra”.
E em uma das passagens mais conhecidas - uma das frases mais citadas nos discursos políticos - Kennedy proclamou: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país”.
Estas palavras estão gravadas em pedra em frente ao seu túmulo no Cemitério Nacional de Arlington, na Virgínia.
Os historiadores colocam este discurso em segundo lugar entre os maiores exemplos da oratória americana do século XX, depois do afamado “Tenho um sonho” (“I have a dream”) de Martin Luther King Jr.
  O então senador dos Estados Unidos John F. Kennedy aperta a mão com os trabalhadores em Medford Square, em Medford, Massachusetts, em foto de junho de 1958  (Foto: Cecil Stoughton/The White House/John F. Kennedy Presidential Library/Reuters)O então senador John F. Kennedy aperta a mão de
trabalhadores em Medford Square, em Medford,
Massachusetts, em  foto de junho de 1958 (Foto:
Cecil Stoughton/The White House/John F. Kennedy
Presidential Library/Reuters)
Ao conseguir capturar em palavras as esperanças e os temores do povo como nenhum outro presidente, com exceção, talvez, de Abraham Lincoln, os historiadores afirmam que as palavras de Kennedy tinham a autêntica capacidade de comover a alma e modelaram a oratória política inspiradora.
Dono de um inegável encanto, carisma e aparência de estrela de cinema, Kennedy também possuía algo mais: a habilidade de usar a aliteração e um sentido inato para fazer a mudança adequada a uma frase.
Mas também era capaz de capturar em palavras o sentimento da nação, com um infalível talento para saber exatamente o que os americanos precisavam escutar de seu presidente em determinado momento.
“Não apenas eram bem elaborados e bem pronunciados, também tinham um impecável senso de oportunidade”, declarou Thurston Clarke, cujo livro “Ask Not” é uma monografia sobre a posse de Kennedy.
O estilo retórico do jovem presidente foi imitado frequentemente por seus sucessores, de Richard Nixon e Ronald Reagan a Bill Clinton e George W. Bush, embora certamente jamais tenha sido igualado.
Os estudiosos da vida e do legado de Kennedy afirmam que o presidente assassinado tem muito a agradecer a Ted Sorensen, seu principal escritor de discursos, por boa parte do brilhantismo dos mesmos.
“Um desafio para o escritor de discursos, não importa quem estivesse na Casa Branca, era ter acesso ao presidente”, disse Adam Frankel, ex-escritor de discursos do presidente Barack Obama. “Ted não tinha esse problema”.
Sempre consciente de sua imagem, Kennedy trabalhou incansavelmente para suavizar as durezas de sua dicção, e estudou gravações de Churchill para aprender o melhor da oratória.
Baia dos Porcos e Crise dos Mísseis
Apesar de não ter sido o idealizador dos planos, Kennedy é lembrado como o presidente em exercício na invasão da Baía dos Porcos e na crise dos Mísseis. Após assumir a Casa Branca, em janeiro de 1961, Kennedy deu sinal verde para o plano de invasão a Cuba, sob a condição de que não envolvesse presença americana direta em campo.
Depois de serem treinados na Guatemala, cerca de 1.400 cubanos exilados desembarcaram, em 17 de abril de 1961, nas praias da Baía dos Procos, menos de 200 quilômetros ao sudeste de Havana. O objetivo final era deter o líder Fidel Castro e derrubar seu governo.
A invasão foi um desastre completo por terra e pelo ar. Quatro pilotos morreram. O ataque surpresa em solo foi facilmente frustrado depois dos vazamentos desses planos para Cuba. Houve combates por dois dias. O saldo das fileiras invasoras foi de 1.189 prisioneiros e 107 mortos, contra as 161 vítimas fatais nas forças castristas.
John F. Kennedy e a primeira-dama Jackie Kennedy são fotografados em um carro durante a cerimônia de chegada de Habib Bourguiba, o presidente da Tunísia, em Washington, em 3 de maio de 1961. (Foto: Abbie Rowe/The White House/John F. Kennedy Presidential/Reuters)John F. Kennedy e a primeira-dama Jackie Kennedy são fotografados em um carro durante a cerimônia de chegada de Habib Bourguiba, o presidente da Tunísia, em Washington, em 3 de maio de 1961. (Foto: Abbie Rowe/The White House/John F. Kennedy Presidential/Reuters)

“A invasão foi um dos maiores erros estratégicos dos Estados Unidos no século XX, reforçando o controle de Castro sobre Cuba, garantindo a permanência de sua revolução e ajudando a dirigi-lo para o lado soviético”, afirmou o historiador Richard Gott.
Em fevereiro, Washington apertou o embargo econômico contra Cuba, e a CIA continuou a elaborar planos anticastristas para desestabilizar o país.
Diante disso, Fidel se volta para Moscou para garantir proteção. Não podendo tolerar a presença de um arsenal nuclear soviético a apenas 150 quilômetros do solo americano, Kennedy alertou sobre a possibilidade de um ataque iminente, se os armamentos não fossem removidos.
A Crise dos Mísseis atingiu seu ápice de tensão entre 14 e 27 de outubro, com pico no dia 22, quando Washington determinou um bloqueio naval a Cuba e a mobilização de 140 mil homens. Já Castro mobilizou um efetivo de 400 mil, no caso de uma invasão americana.
Sem consultar o líder cubano, em 28 de outubro, a Rússia recuou e concordou com a remoção dos mísseis, sob a condição de os Estados Unidos não invadirem Cuba. Também secretamente, Moscou negociou a retirada de mísseis americanos da Turquia.
Conquistas reais superestimadas
No entanto, Kennedy não estaria tão feliz em saber que alguns acreditam que seus discursos, e não suas políticas, estão entre suas realizações mais significativas.
Embora se possa afirmar que ele colocou na agenda temas-chave da década de 1960, como as reformas sociais, foi seu sucessor, Lyndon Johnson, quem as implantou.
Os especialistas divergem sobre se JFK teria sido tão hábil politicamente quanto Johnson para por em prática essa agenda, ou para avançar tanto em matéria de direitos civis e de cobertura médica. Quando Kennedy foi assassinado, grande parte de suas iniciativas políticas ainda estava sendo discutida no Congresso, ressaltam os biógrafos. Tampouco será possível saber se Kennedy teria se atolado de forma tão profunda na Guerra do Vietnã.
Kennedy é cercado por multidão em Fort Worth, no Texas, em 22 de novembro de 1963, dia de sua morte (Foto: Cecil Stoughton/The White House/John F. Kennedy Presidential Library/Reuters)Kennedy é cercado por multidão em Fort Worth, no Texas, em 22 de novembro de 1963, dia de sua morte (Foto: Cecil Stoughton/The White House/John F. Kennedy Presidential Library/Reuters)
O professor Jeffrey Engel, da Southern Methodist University, de Dallas, avalia, por exemplo, que “o impacto de John Kennedy sobre as gerações atuais é mínimo”. Segundo ele, “é duro dizer isso, mas sua herança é a de uma presidência inconclusa”.
“Aqueles que estudam sua presidência constatam que, embora tenha tido um grande talento e representasse uma enorme esperança para os americanos, suas conquistas reais em matéria legislativa e diplomática foram extremamente reduzidas”, segundo Engel.
Ironia da história, será Barack Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, que terá a honra de celebrar o 50º aniversário da morte de Kennedy. O democrata se encontra em um momento especialmente crítico em seu mandato. Em 2008, sob o cujo slogan “Yes, We Can” (“Sim, nós podemos”), Obama apelou para a esperança e o idealismo de Kennedy em uma cerimônia na American University, junto com o irmão de JFK, o então senador Edward (Ted) Kennedy.
“Houve um tempo em que outro jovem candidato se apresentava como presidente e desafiava os Estados Unidos a ultrapassar uma nova fronteira”, disse Ted Kennedy nesse evento. “O mesmo acontece com Barack Obama. Acendeu uma luz de esperança em nossa época, quando nos faz tanta falta”, completou.
Os apelos de Obama por mudança enfrentam barreiras partidárias em Washington e a dificuldade de transformar promessas políticas em atos. Kennedy, ao contrário, permanecerá congelado na História, sem ter vivido tempo suficiente para ver suas conquistas relativizadas pela perspectiva dos anos.

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